Plantas
fingem doença e até criam insetos de mentira
RIO
- A princípio elas parecem pacatas, vulneráveis, expostas. Presas por raízes,
as plantas seriam vítimas das larvas que ali pousassem, dependeriam da
vontade de insetos para serem polinizadas, estariam sujeitas a toques
indesejados... certo? Não para certas espécies. Milênios de evolução dotaram
os vegetais de armas ainda não inteiramente conhecidas, tamanha é a sua
inventividade. Uma planta pode fingir doença, esconder suas folhas do
inimigo, e até iludir moscas que buscam sexo.
A
fertilização é um dos principais motivadores das tramóias. Talvez a mais
engenhosa seja a da orquídea Ophrys
insectifera. Para aumentar as chances de que seus óvulos sejam
fecundados, ela produz uma estrutura sobre suas plantas que, mesmo olhada de
perto, é muito facilmente confundida com uma mosca. A estrutura, além disso,
é perfumada - a Ophrys solta um aroma que imita o feromônio sexual das
fêmeas. O inseto que der uma rasante ali, portanto, verá uma companheira
preparada para o sexo.
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Quando chega à toda, a mosca já poliniza a flor. Só depois percebe que, na
verdade, não havia inseto algum - conta Heleno Dias Ferreira, professor de
botânica do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de
Goiás. - Todos os seres vivos são inteligentes, cada um à sua forma. Nós
evoluímos usufruindo do poder de comunicação e da locomoção. As plantas
demoraram milênios para adotar outras estratégias. Entre elas, fazer uma
pétala parecer com uma fêmea.
Enquanto
a orquídea luta por quem a fecunde, a planta de tabaco tenta selecionar
melhor qual material reprodutivo recebe. Por suas folhas passam pássaros e
insetos como formigas. O problema: nenhum deles é frequentador exclusivo -
todos pulam de um indivíduo para outro.
O
tabaco não quer saber dos restos da relação sexual na planta vizinha -
levados involuntariamente por seus fecundadores. Como a visita não se limpa,
ele desenvolveu um sistema de incompatibilidade: se o pólen de parentes
próximos pousam ali, o tabaco o rejeita. De que forma? Os cientistas ainda
não sabem. Mas a negativa tem sucesso inquestionável: afinal, uma mistura do
material sexual de vegetais aparentados resultaria em uma espécie mais fraca.
Nem todas as plantas recorrem a artifícios frios como o tabaco e a orquídea. Outras lançam mão de táticas engenhosas apenas para fugir de pragas. É o caso da orelha-de-elefante Caladium steudneriifolium, vítima constante das larvas de mariposa. Uma vez libertas dos ovos, elas comem tudo o que veem pela frente.
Zelosa
de suas folhas verdes e vistosas, a orelha-de-elefante tem uma estratégia
para evitar que a mariposa deixe ali os seus ovos. Quando percebe a presença
do inseto, a planta embranquece, o que a faz adquirir o aspecto de local
recém-arrasado.
A
mariposa sobrevoa a planta adoentada e não aprova o cenário. Para ela, quanto
mais saudável for o local de sua desova, melhor. Assim, parte rumo a uma nova
vítima. Logo após se afastar, a orelha-de-elefante readquire o ar saudável de
outrora. Está livre da ameaça - ao menos até o próximo inseto.
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O reino vegetal é bem mais hostil do que pode parecer - sentencia Luiz Carlos
Giordano , pesquisador da Curadoria de Coleções Vivas do Jardim Botânico do
Rio. - Foi necessário criar artimanhas para garantir a sobrevivência. Vale a
lei do mais forte.
Charles
Darwin, pai da Teoria da Evolução e íntimo dessas palavras, também daria a
bênção ao maracujazeiro. Assim como a orelha-de-elefante, estas plantas, do
gênero Passiflora, conseguem evitar visitas indesejáveis. Mas, como não sabem
fingir doença, tiram outro truque da cartola.
O
maracujazeiro, para não cumprir o papel de ninho de ovos de borboletas, ativa
suas estípulas, uma estrutura que imita... ovos de borboletas. O inseto passa
por ali e é enganado por aquela imitação. Fica com a impressão de que alguém
da sua espécie chegou antes e já se instalou por ali. Como ele não gosta de
competição, procura outro local para depositar sua carga.
A
Mimosa pudica (conhecida como não-me-toque) não tem um inimigo específico.
Borboletas, mariposas, até mesmo os homens - a planta quer se resguardar de
todos. Mesmo um toque gentil a faz fechar rapidamente suas folhas pequenas e
frágeis. Demora até meia hora para ela detectar que o perigo passou e,
depois, abrir-se novamente.
O
feijoeiro prefere o trabalho em equipe. Incapaz de defender-se sozinho de
aracnídeos parasitas, o Phaseolus
lunatus produz uma mistura de produtos químicos que atrai seus
aliados - outros aracnídeos. A cavalaria, quando chega, devora a população
inteira e protege a planta.
Há
quem não tenha guarda-costas, mas não abra mão de se defender em grupo. Caso
das plantas Artemisia tridentata, que, ao serem atacadas por insetos, lançam
uma substância química para alertar suas vizinhas. Ao receberem o sinal de
perigo, elas produzem seus próprios compostos para impedir que, depois,
tornem-se elas as vítimas da infestação.
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Diversas espécies de plantas têm venenos na semente, na fruta ou no caule. É,
também, um mecanismo de defesa - assinala Dias Ferreira, da UFGO. - Não deixa
de ser uma compensação adquirida pela planta para a falta de locomoção.
Bioquímico
da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária em Rondônia (Embrapa),
Cléberson de Freitas Fernandes estuda os mecanismos de defesa de plantas.
Segundo ele, as reações são mais efetivas quando o ataque ocorre no interior
do organismo, orquestrado, por exemplo, por fungos ou bactérias. Neste caso,
o vegetal pode até lançar mão de um mecanismo conhecido como morte celular.
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É uma resposta hipersensitiva. A planta detecta o local onde houve a
penetração do agente patogênico e aumentando a concentração de peróxido de
hidrogênio para matar suas próprias células vizinhas - explica. - Dessa
forma, o invasor não encontra tecido vivo para se alimentar.
Para
dificultar o avanço dos micro-organismos, a planta também induz a formação de
papilas, estruturas parecidas com blocos que são construídos na região
atacada.
As
agressões na região exterior - provocados por insetos e seus ovos - encontram
resposta menos efetiva. E assim, a planta luta para que a invasão a deixe o
mais rapidamente possível. Mesmo que, para isso, tenha de alterar a
composição química de suas próprias folhas.
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O vegetal faz de tudo para dificultar a capacidade de digestão de um inseto
invasor - anuncia Fernandes. - Este animal terá mais dificuldade em extrair
os nutrientes da planta. Ela faz o possível para se tornar uma refeição menos
rentável, de baixo retorno metabólico. Assim, quem se alimenta dela vai
procurar algo que lhe dê mais energia.
Além
da necessidade de compensar a falta de locomoção, outros fatores explicam por
que cada planta teve de correr atrás de uma forma de se defender. A busca por
uma melhor adaptação ao ambiente provocou uma série de especiações - fenômeno
em que espécies de mesmo gênero passam por diferentes processos, culminando
no surgimento de novas espécies.
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O isolamento geográfico contribuiu muito para a ocorrência de especiações -
assinala Giordano. - A Indonésia, por exemplo, formada por diversas ilhas
entre a Ásia e a Oceania, tem uma flora altamente diferenciada. Foi
necessário que ela produzisse características específicas para se adaptar
àquele meio.
Uma
população de plantas, quando consegue se estabelecer, luta para manter o seu
domínio. Giordano lembra uma espécie conhecida como maria-sem-vergonha (que,
curiosamente, também atende por beijo-de-frade). O cultivo do vegetal, do
gênero Impatiens, há tempos saiu do controle humano e tem espécies em, pelo
menos, três continentes.
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As sementes se deram tão bem quando introduzidas em certos países que
conseguiram se espalhar espontaneamente - conta. - Quando está em companhia
de vários outros indivíduos da mesma espécie, ela forma uma sociedade e sua
raiz cresce lentamente, conforme espalha-se ainda mais e ganha novos
territórios.
Se
o terreno cobiçado conta com outras plantas, a maria-sem-vergonha acelera sua
dinâmica.
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Aí, o crescimento da raiz ocorre em maior velocidade. E, enquanto ela
amadurece, nenhuma outra planta ao redor conseguirá aparecer.
Fonte:
O Globo - 26/04/2011
Texto: Renato Grandelle |